Como endocrinologista, é essencial esclarecer as diferenças entre hormônios bioidênticos — também chamados isomoleculares — e os chamados “naturais”, bem como reforçar que não existe hormônio 100% seguro.
- Definição de hormônio bioidêntico (isomolecular)
Hormônios bioidênticos possuem estrutura química idêntica à dos hormônios produzidos naturalmente pelo organismo humano, como o estradiol e a progesterona. Isso permite que interajam com os receptores hormonais de forma semelhante aos hormônios endógenos.
- Produção por tecnologia de DNA recombinante e síntese semiquímica
Muitos hormônios bioidênticos são produzidos por tecnologia de DNA recombinante, que envolve inserir genes humanos em micro-organismos (como Escherichia coli ou leveduras) para que passem a sintetizar o hormônio desejado.
O primeiro hormônio bioidêntico produzido em larga escala por DNA recombinante foi a insulina humana, aprovada pela FDA em 1982, marco que inaugurou a era dos medicamentos biotecnológicos.
No caso dos esteroides sexuais, a produção geralmente envolve síntese semiquímica a partir de fitoesteróis extraídos de soja ou inhame, modificados em laboratório até atingir a estrutura molecular idêntica ao hormônio humano.
- Diferença entre “bioidêntico” e “natural”
O termo “natural” costuma se referir à origem da matéria-prima e é amplamente utilizado como recurso de marketing. Entretanto, mesmo compostos “naturais” passam por processos químicos extensos antes de se tornarem medicamentos ativos.
Assim, “natural” não significa mais seguro ou livre de riscos.
- Fisiologia, absorção e ritmo circadiano
Mesmo sendo estruturalmente idêntico, o hormônio bioidêntico pode não reproduzir exatamente a dinâmica fisiológica do corpo, que secreta hormônios em padrões pulsáteis e ritmos circadianos.
Além disso, a via de administração e a formulação influenciam na absorção, distribuição e metabolismo, podendo gerar efeitos adversos mesmo com moléculas idênticas aos naturais. Exemplo disso é o uso de Progesterona na forma de Gel que não absorve corretamente aumentando o risco de câncer de endométrio quendo em uso de estrogênios.
- Riscos reconhecidos na literatura científica
Quando usados fora de protocolos baseados em evidência — especialmente em formulações manipuladas não regulamentadas, pellets subcutâneos ou combinações sem estudos clínicos robustos — hormônios bioidênticos podem estar associados a:
- Eventos cardiovasculares (infarto, AVC, trombose venosa profunda).
- Neoplasias hormônio-dependentes (câncer de endométrio e mama).
- Complicações hepáticas (hepatotoxicidade por contaminação ou dose inadequada).
- Efeitos endócrinos indesejados (sangramento uterino anormal, alopecia, virilização, alterações de humor).
As diretrizes internacionais reforçam que apenas terapias hormonais aprovadas por agências regulatórias possuem segurança e eficácia estabelecidas, e que a prescrição deve ser individualizada e acompanhada de monitoramento clínico e laboratorial.
- O problema dos falsos especialistas e o efeito “ Dunning-Kruger”
A popularização de conteúdos superficiais sobre terapia hormonal nas redes sociais levou a um aumento de recomendações sem embasamento científico, muitas vezes feitas por pessoas fora de sua área de competência.
O efeito Dunning-Kruger explica como indivíduos com conhecimento limitado tendem a superestimar sua própria compreensão do assunto, levando à disseminação de informações erradas que colocam pacientes em risco. Nos temos atuais pessoas de outras áreas como engenheiros, advogados, ou seja pessoas com grande capacidade de absorver informação tem sido engandas facilmente por falsos especialistas pelo número de seguidores que o nobre profissional com grande número de seguidores. Os principais pesquisadores e especialistas em endocrinologia não tem redes sociais.
Esse problema se agrava quando profissionais ou influenciadores têm interesses comerciais diretos na venda de produtos manipulados ou suplementos.
Mensagem final do especialista
Não existe hormônio isento de riscos. A segurança depende de:
- Indicação clínica correta.
- Dose adequada, nem sempre será possível dosar simplesmente
- Formulação padronizada e aprovada por agências regulatórias.
- Acompanhamento por médico especialista.
Decisões terapêuticas devem se basear em ciência de qualidade, não em marketing ou opiniões de pessoas com grande visibilidade, mas sem competência técnica.
Referências bibliográficas
- Gunter J. Addressing the Challenges of Online Misinformation and Unregulated Products in the Clinical Management of Menopause. Obstetrics & Gynecology. 2025;146(2):189-194. doi:10.1097/AOG.0000000000005989
- Goeddel DV, et al. Expression in Escherichia coli of chemically synthesized genes for human insulin. Proc Natl Acad Sci USA. 1979;76(1):106-110. doi:10.1073/pnas.76.1.106
- Kauffman RP, Baker TE. Fear, misinformation, and pharmaceutical messianism in the promotion of compounded bioidentical hormone therapy. Menopause. 2024;31(10):1137-1144. doi:10.1097/GME.0000000000002438
- The Menopause Society. Statement on Misinformation about Hormone Therapy. Menopause Society Position Statement. 2024. Disponível em: https://menopause.org/wp-content/uploads/2024/09/TMS-statement-on-HT-Misinformation.pdf